Daí

Daí a menina começou a se afundar naquele mundo que nem tinha como caminhar direito, ele era meio que feito de lama mas tinha cor de esgoto. O mundo tinha cheiro de nada, tinha cheiro de vazio.
O rei do mundo, que não se sabe muito bem se era rei ou rainha porque era metade homem e metade mulher, mas que preferia ser chamado de rei pois se achava forte como um homem, tinha uma verruga preta bem á cima da boca e uns cabelos de fogo, que ardiam na cabeça dele e faziam ele ficar mal humorado sempre.
Talvez se alguém desse um jeito de raspar aquele cabelo ele se tornaria um rei bom. Pois já tentaram, não funcionou.
O coração do rei não era de gelo que dá de derreter com carinho, nem de pedra que dá pra por flores pra enfeitar. Esse rei gigante, que vivia sempre com um cigarro alucinógeno na boca nem coração tinha. Ele tinha dois cérebros. Um na cabeça e um no lugar do coraçao, e os dois eram pretos e usados para a mesma finalidade: deixar aquele mundo com aquela a cara de esgoto que ele tanto gostava, e com aquele cheiro de vazio.
O rei dizia que só ele podia sentir cheiro de afeto, ele e as pessoas que ele deixava fumarem o cigarro alucinógeno dele. O resto todo do reino deveria se tornar cada vez mais vazio. Era o cheiro de vazio que alimentva o rei.
Quando algum sudito ía chorando pedir ao rei doses de sentimento bom o rei ria e rolava, e depois mandava todo mundo do reino se juntar e lançar lama-esgoto no súdito pra ele aprender a respeitar as leis do vazio eterno.
Casamentos, namoros e amizades lindas no reino não podiam acontecer, se o rei via ele acabava com cada detalhe. "É pra todo mundo ser vazio!" Ele repetia em voz calma e monstruosa. Ele usava a calmaria dele pra manipular.
Ele era um grande manipulador, foi assim que ele conseguiu ser rei, mas daí já é outra história.
E com o tempo o mundo foi ficando quietinho e se fechando, e se fechando... e virando um mundo de pessoas tristes que nem conversavam mais entre si, nem riam, nem se abraçavam.
O que ninguém sabia é que o mundo vizinho desse mundo-esgoto era muito lindo e macio,e  tinha cheirinho de carinho. É que os súditos passavam os dias tentando mudar o mundo-esgoto, daí não prestavam atenção ao redor.




















O que nos reta é torcer pra que as pessoas vazias do mundo-esgoto vejam o mundo-macio.
A rainha de lá chama-se felicidade e todas as roupas dela são lindas, são todas cor-esperança.

Por: Caio Fernando Abreu


  "Vocês conhecem o chorão? Aquela árvore assim alta, magra, meio despencada, com uns galhos compridos até o chão? Pois diz a Juçara que o chorão não era assim.
Era uma árvore toda esticadinha, muito orgulhosa e antipática. Ela morava na beira de um lago bem clarinho. Pois imagina que o Chorão — que naquele tempo não se chamava chorão, mas salgueiro — inventou de se apaixonar pela Lua. Só que o Lago também se apaixonou, ao mesmo tempo.
Ficavam os dois, o Chorão e o Lago, todos suspirosos quando a Lua aparecia atrás da montanha, ao anoitecer. Tantas caras e bocas fizeram que um vaga-lume muito fofoqueiro ouviu a história da tal paixão e foi contar pra Lua.
A Lua, claro, ficou muito envaidecida. Quem que não gosta que os outros se apaixonem pela gente? Pois a Lua mandou dizer aos dois apaixonados que, na próxima sexta-feira, quando estivesse bem cheia e aparecesse atrás da montanha, o pretendente que estivesse mais bonito, na hora ela ficava noiva.
O Chorão ficou na maior empolgação. Fez amizade com o vaga-lume, interesseiro que era. E pediu a ele que chamasse todos os amigos vaga-lumes para enfeitá-lo todo, na sexta-feira de tardezinha. O pobre do Lago era muito desajeitado e humildezinho. Até tentou se enfeitar um pouco, mas os enfeites todos scorregavam na superfície dele e acabavam afundando.
Quando chegou a sexta-feira, o Chorão estava lindaço, cheio de vaga-lumezinhos vaga-lumeando brilhosos nos galhos. Parecia uma árvore de Natal. E tão atrevido! Debochava horrores do pobre Lago, que só tinha uns peixinhos muito assustados espiando de vez em quando. A Juçara diz que aquele salgueiro estava um nojo, de tão exibido e certo de que ia ficar noivo da Lua.
Mas acontece que, na hora em que a Lua apareceu atrás da montanha, ela viu todo aquele brilho do salgueiro refletido — onde? Ora, nas águas do pobrezinho do Lago, umas águas muito limpinhas e quietas. Claaaaaaaaro que ela achou o Lago muitíssimo mais bonito. Aí ficou noiva dele na hora, e nas sete noites de lua cheia vem se banhar nua nas suas águas quentinhas. O salgueiro? Ah, ficou tão desapontado que começou a despencar, despencar, despencar até virar essa árvore tristonha que a gente agora chama de chorão. [...]"


[Caio Fernando Abreu]





 “Controla, menina, controla esse coração angustiado. Controla essas palavras ácidas que pulam da sua boca, dá um jeito nesse seu jeito inseguro. Dá um jeito nessa sua vida, não dá pra viver no escuro, de olhos cegos, apalpando o nada. Escolha um caminho, vai em frente, não olha pra trás, não olha pra baixo como quem tem arrependimento de ser o que é.”

[Bianca Land]